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A Mais Forte

Summary

E se a vermelha que caísse sobre a arena da Prova Real não fosse Mare Barrow, mas sim uma outra sanguenova tão forte e poderosa quanto? Uma garota com poderes de ardente que é capaz de criar as suas próprias chamas? Essa é a história de Ravenna Sylvester, criada de sangue vermelho com poderes prateados, e mais forte que ambos. Fanfic "What Is If...?" baseada na coletânea de "A Rainha Vermelha"

Genre:
Fantasy / Adventure
Author:
A.C. Kingsman
Status:
Ongoing
Chapters:
1
Rating:
n/a
Age Rating:
16+

ONZE

O próximo professor me espera em uma sala um pouco mais isolada que as outras. Bem mais do que a da Lady Blonos. Mas enquanto a sala da curandeira era extremamente vazia, esta aqui é precariamente abarrotada de livros até o teto. São velhos e inestimáveis, que carregam a história de Norta. Provavelmente a biblioteca deve estar vazia à esta altura.

Outras coisas que conseguem ser muitos sedutoras que os livros, são os mapas colados nas paredes, escondendo a cor creme enevelhecida pelo tempo. Assim como os livros, os mapas ostentam as imagens de outros reinos e, obviamente, do nosso. Mas um em especial chama a minha atenção. Tem o dobro do meu tamanho, protegido por um vidro emoldurado de ouro. As partes do mapa são originadas de livros antigos e novos, um emaranhado colorido. Linhas azuis para as costas litorais, verdes para as densas florestas e amarelas para as diversas cidades. As linhas vermelhas formam o desenho dos continentes.

Observando-o mais, noto que a forma do nosso reino não é semelhante ao de atualmente. Li livros o suficiente para saber do que se trata — ainda que minha leitura seja um tanto limitada. O velho mundo. Meu queixo cai ao ver que era muito mais bonito e bem mais organizado, com os seus nomes e fronteiras que não são mais tão úteis hoje em dia.

— É estranho olhar para o mundo como era antes — levo um pequeno susto com as palavras repentinas de meu professor, que sai de trás de uma grande pilha de livros. Sua túnica lhe dá um ar sábio, mas também o transforma numa folha de papel ambulante, com a sua cor amarela desgastada. — Consegue adivinhar onde estamos?

Mordo o lábio na perspectiva de falhar logo no meu primeiro dia de "treinamento" para me tornar uma princesa adequada. Posso conhecer Greatwoods, meu vilarejo, como ninguém, mas nunca pisei um pé para fora do Palacete. A última vez que fiz uma viagem tão longa foi quando saí de lá para trabalhar aqui. Mas eu era pequena. Aposto que aquele lugar não está mais com a mesma cara de antes. Treze anos.

Mesmo assim, engulo em seco e começo a procurar no mapa. Não sei bem o que é, mas o olhar do professor, ainda terno, me encoraja a continuar.

Norta fica a noroeste. Greatwoods é banhada pelo rio Capital, que deságua no mar. Logo Summerton fica...

— Aqui — aponto para um pequeno cículo no norte que julgo ser Summerton.

O professor assente. Parece satisfeito com o meu casto conhecimento.

— Reconhece mais algum lugar?

Juro tentar procurar, mas o mapa, além de ser muito grande, está escrito em uma língua ainda desconhecida por mim.

— Não entendo muita coisa do que está escrito...

— Não perguntei se consegue ler — pode não parecer, mas ele não foi grosso, para o meu alívio. — Além disso, as palavras mentem de vez em quando. Veja além delas.

Me viro novamente para o emaranhado de linhas coloridas. Apesar de ter durado pouco, minha estadia na escola foi muito boa. Não é à toa que a Geografia de Norta sempre foi minha matéria favorita, visto que encontro outra cidade em poucos segundos.

— Aqui é Harbor Bay — toco sobre um cabo recurvado que dá diretamente para o oceano. — E as Ilhas Bahrn. — Meu dedo pousa em dois arquipélagos perto da baía.

Os livros da biblioteca devem estar muito orgulhosos de mim.

Correto — o professor confirma, com um sorriso iluminado. — Aqui é Delphie — ele aponta para uma cidade ao sul. — E Archeon é aqui.

Seu dedo ossudo pousa sobre um ponto maior, representando a capital. Mais alguns quilômetros desse ponto, está o nome de uma outra cidade antiga, muito antiga. Sua existência está há um milênio de diferença do resto deste país. As Ruínas. Somente um grande cemitério dos vestígios de uma guerra grave que ocorreu no passado e que apagou o pouco da existência que tinha naquele lugar. Só de ouvir seu nome, meu corpo se enche de calafrios.

Creio eu que o Gargalo vai terminar assim. Se não, Norta.

Não é um incômodo ficar parada na frente de um mapa durante as próximas quatro horas seguidas. Sempre gostei de vasculhar, procurar, descobrir. Se eu aumentar um pouco mais os meus conhecimentos, poderei tirar esse treinamento de letra e, se caso houver algum futuro para mim, me livrar do peso de uma falsa coroa. Contanto que eu consiga fugir de Elara, viver escondida não será um problema.

Mas algo me puxa para a realidade. Uma sensação estranha de desconfiança, não vinda do professor, mas de mim. Alguma coisa está errada, assim como muitas outras. Porém, esta é diferente.

— O que você quer? — As palavras se libertam de minha boca. Saem afiadas, repletas de um tipo genuíno de pavor e raiva.

— Perdão?

— É isso mesmo que você ouviu — me viro para encarar a feição confusa do professor. — O que você quer de mim?

Me odeio por estar fazendo isso com ele sem ter provas concretas. Mas a vida me ensinou da pior maneira que não se deve confiar em ninguém, tanto em vermelhos quanto em prateados. Afinal, foi uma vermelha que me abandonou aqui e nunca mais deu notícias.

De todas as pessoas daqui, você é o único que me trata normalmente. Isso é suspeito. — Novamente, repito a minha pergunta. — O que você quer de mim?

O homem apenas pisca para mim, ainda sustentando o seu ar sereno e despreocupado.

— Há uma diferença na minha aula — ele murmura, o que me deixa mais atenta.

— Como assim?

— Ravenna, estou aqui para ensinar sua história, para ensiná-la ser prateada e ser, hum, útil — o professor diz como se as palavras tivessem um gosto amargo. — Mas também vou tentar compreender exatamente como você existe e como seus poderes funcionam.

Sinto náuseas. Não sei como ele sabe de tudo isso. Minha vontade é de desabafar com este homem, revelar tudo que está preso dentro de mim. Mas a pressão da família real me assombra. Não desejo morrer. Não agora. Então sou obrigada a reforçar a mentira, mesmo que não valha mais nada.

— Eu sou assim porque sou filha do rei Tiberias Calore. Não há dúvidas quanto a isso — me aproximo dele. — Sou prateada.

Quase que não revelo a última parte. Dizer isso foi como dar uma facada na minha origem.

— Não, você não é, Ravenna Sylvester, e jamais pode esquecer isso.

Filho da mãe. Luto contra o ímpeto de incendiar esta sala com ele dentro. Sou imune ao fogo. Um incêndio não me mataria. Mas o controle mental de Elara sim. Ela me estraçalharia de dentro para fora sem esforço algum. Por isso, me mantenho sob controle.

— Isso não é necessário — ele fala ao perceber a minha tensão. — Não tenho planos de avisar ninguém sobre sua ascendência.

Não me dou ao luxo de relaxar. Não fico grata pela sua misericórdia. A minha desconfiança só cresce, e não consigo evitar.

— E o que você quer?

— Sou, acima de tudo, um homem curioso. Você entrou na Prova Real como uma criada vermelha e saiu como uma princesa prateada perdida. Tenho que dizer que fiquei bastante curioso.

— E é por isso que está me tratando desse jeito? Para tirar algo de mim? Para me examinar? — Me afasto do professor, já com os punhos em brasa. A cor incomum das minhas chamas o deixa ainda mais intrigado.

— O que quero dizer é que minha irmã já foi rainha, e que isso ainda tem algum valor por aqui.

Rainha? Fico confusa.

— Lady Blonos não me falou nada disso. — As chamas morrem. Mas ainda me mantenho atenta seja lá para o que for.

— Isso é porque Lady Blonos está lhe ensinando baboseiras. Jamais farei isso.

Seu sorriso me trás uma paz estranha.

— Se a sua irmã foi a primeira rainha, você é...

— Julian Jacos, ao seu dispor — ele se curva numa reverência teatral e cômica. — Chefe da Casa Jacos, herdeiro de nada além de um punhado de livros velhos. Minha irmã era a falecida rainha Coriane, e o príncipe Tiberias VII, que chamamos de Cal, é meu sobrinho.

Fico surpresa. A semelhança é bem evidente, apesar de Julian estar com o rosto repleto de rugas e linhas de expressão que revelam sua idade. Os seus olhos refletem o abatimento, outra coisa que me impediu de perceber o quanto ambos são meio parecidos. Talvez Cal esbanje uma certa semelhança com essa tal de Coriane Jacos.

— E você, por acaso, vai enfiar agulhas em mim e me transformar em alguma experiência maluca para a rainha Elara?

Julian ri alto.

— Minha cara, a única coisa que a rainha quer é que você desapareça. Descobrir o que você é e ajudá-la a entender é última coisa em que ela pensa.

— Vai fazer isso mesmo assim? Mesmo sabendo que a bruxa pode atacar a qualquer momento? — Não me arrependo de usar o apelido que tanto a nomeei quando mais nova.

Com isso, um brilho misterioso emerge em seus olhos. Algo como um ódio atemporal.

— A influência da rainha não é tão abrangente como ela quer que você pense. Quero saber o que você é, e tenho certeza de que você deseja o mesmo.

Hesito em responder. Apesar da revelação avassaladora de instantes atrás, ainda não consigo confiar em Julian. Mas as dúvidas tão presentes durante todos esses anos podem ser sanadas agora.

— Sim. Acho que sim...

— Foi o que pensei — seu sorriso volta. — Sinto muito em informar, porém, que terei de fazer o que me pediram: prepará-la para o dia da sua apresentação ao mundo.

Minha cabeça dá voltas com essa resposta de Julian. Eu estava tão preocupada que tinha me esquecido desse detalhe.

— Acredito que eles querem me usar para acabar com uma rebelião que nem começou.

— Sim. Meu caro cunhado e sua rainha creem que você pode fazer isso, se usada adequadamente — a armagura substitui o sorriso de antes.

Usada. Igual a um objeto e não uma pessoa. Eles vão me usar como uma arma se for preciso. Uma geração de guerreiros. Está muito óbvio que o meu papel não exigirá apenas discursos ou coisas do tipo. Exibirão os meus poderes tanto no palácio quanto nas trincheiras. Vão querer mostrar que ninguém é páreo para os Calore, para os prateados e todo o resto. Depois, quando tudo isso acabar, vão me descartar como lixo.

Mordo o lábio para lançar fora esses pensamentos.

— É uma ideia um tanto problemática e sem sentido. Impossível algo como isso acontecer. Principalmente por causa de mim.

— Está errada, Ravenna. Não compreende o poder que possui agora, quantas coisas pode controlar.

Não sei se ele está me dando uma força ou me aterrorizando. Acho que um pouco dos dois.

Ele põe as mãos atrás das costas, um gesto significativo de um professor sério.

— A Guarda Escarlate — ele prossegue. — é drástica demais, muito, muito rápida. Mas você é a mudança controlada, do tipo em que as pessoas podem confiar. Você é a chama lenta que pode dissipar uma revolução com um punhado de discursos e sorrisos. Você pode falar aos vermelhos, dizer-lhes quão nobres, benevolentes e corretos são os prateados. Você pode convencer seu povo a voltar para os grilhões. Mesmo os prateados que questionam o rei, aqueles que têm dúvidas, podem ser convencidos por você. E o mundo permanecerá igual.

Não vejo quaisquer indícios de ambição em sua voz. Ele parece até enojado por essa perspectiva.

— E você? Não vai concordar com eles, vai? Você é prateado. Deve odiar a Guarda, me odiar, odiar a todos os vermelhos. — Não tenho medo ou raiva. Estou apenas confusa. — Por que você pensa diferente?

— Pensar que todos os prateados são maus é tão errado quanto pensar que todos os vermelhos são inferiores. — Ele rebate. — O que meu povo vem fazendo com você e seu povo é uma ofensa aos fundamentos da humanidade. Oprimir e aprisionar os vermelhos num círculo perpétuo de pobreza e morte, apenas por pensarmos que vocês são diferentes de nós? Não é certo. E como todos que conhecem história podem lhe contar, termina em desastre.

— Não somos iguais, Julian. Não faz sentido.

— Estou diante da prova de que está errada.

Minha vontade é de gritar para ele parar. Esse assunto vai acabar mal. Muito mal. Quero parar antes que algo de pior aconteça, não só comigo, mas com nós dois.

— Vai deixar que eu prove que está errada, Ravenna?

— Por quê? Sabe que não vai conseguir nada.

Julian suspira alto, enfadado, passando as mãos pelo cabelo castanho. Minha hesitação o irrita.

— Por centenas de anos os prateados caminharam sobre a terra como deuses de carne e osso, ao passo que os vermelhos não passam de escravos sob seus pés. Até você aparecer. Se isso não é uma mudança, não sei o que é.

Sinto uma pequena pontada de esperança surgir diante dessas palavras. Ele pode me ajudar a controlar, a sobreviver aqui dentro. Consegui achar um aliado.

— E o que podemos fazer, então?




Minha rotina não mudou desde a última vez. Não recebi a resposta de Cal sobre ter uma dama de companhia, muito menos um mudança que não seja capaz de me matar de tédio. Como sou conhecida como a filha perdida, um prodígio oculto, a rainha Elara faz questão de me exibir em almoços e jantares como se eu fosse um prêmio tão esperado. Para a minha sorte — ou azar — Sonya e Lady Ara não disseram uma palavra sequer depois do nosso pequeno conflito no Terraço de Vidro. Acredito que a ajuda de Maven valeu a pena.

Mais outro evento me espera. Dessa vez, com mais pessoas num espaço maior ainda. Estamos na sala de jantar particular da rainha, onde todas a mulheres estão presentes. Não há separação de cores, de modo que qualquer uma pode estar perto o bastante para dar um bote venenoso. As Iral estão caladas no seu canto da mesa, fingindo ignorar a minha presença. Mas sei que eu as deixo inquietas. E espero melhorar isso, para o meu bem.

As aulas de protocolo estão dando o seu efeito. Não sinto minhas costas doerem por causa da superfície extremamente dura da cadeira. Muito menos estou confundindo os talheres, igual a outros eventos atrás. O que me incomoda de verdade, é o fato de ter que falar com as convidadas. Muitas cores, muitos títulos, muitos poderes. Isso é difícil de lembrar a todo instante, até para uma pessoa experiente como eu.

O tilindar ao meu lado me desperta das minhas lamentações internas. Como de costume — e de muito mau gosto, aliás —, estou sentada ao lado de Evangeline. Ela imita as Iral, fingindo não notar minha presença. E como as duas silfos, ela é péssima nisso. Sei que, se pudesse, usaria todos os talheres afiados da mesa contra mim. Os transformaria numa arma poderosa para me despedaçar por completo. Porém, mantém tal sentimento odioso reprimido. Evangeline também sabe que eu a derrotaria. Só não quer admitir, como a boa Samos que é. Tenho o meu total controle sobre as minhas chamas. Eu poderia derreter os metais e fazê-la provar do próprio veneno.

Mas isso não passa de um desejo bobo. Nós ainda não nos rebaixamos a esse nível errôneo. A presença da rainha Elara não deixa.

Ela está sentada à ponta da mesa, levando uma taça de alguma bebida até a boca. Tentando esconder o riso. Já entendo de primeira. Elara sabe da pequena guerra silenciosa entre a noiva do príncipe herdeiro e sua mais nova cunhada. Aposto que adoraria assistir pessoalmente nós duas nos matando.

— E o que achou do Palacete do Sol, alteza? — Uma garota, que eu nem tinha notado quando cheguei aqui, quebra o silêncio mortífero.

Olho para ela para dar de cara com uma Viper. Atara. A mesma animos que tostou aqueles pombos sobre o escudo elétrico. Uma pequena pontada de raiva me corrói. Mas a controlo antes que a temperatura da sala de jantar suba de maneira suspeita.

— Encantador — falo alto o bastante para fingir admiração.

— Suponho que não haja comparação com o vilarejo onde você morava antes.

O ênfase na palavra "vilarejo" faz os meus punhos se enrijecerem no assento. Em outra vida, eu não me importaria nem um pouco de encher a cara dessa imbecil de socos. Seria até prazeroso. Mas eu não tenho mais essa vida. Aqui, agora, neste exato momento, qualquer passo em falso pode resultar na minha morte.

— É. — Tensiono o maxilar para não falar tudo o que penso. — Summerton e Greatwoods têm um contraste gritante... — Assim como tudo nesse mundo.

— Óbvio — uma outra mulher se mete na conversa. Pela sua túnica verde e dourada, percebo que é uma Welle que está falando. — Fiz um passeio pelo vale do rio Capital uma vez e devo dizer que os vilarejos vermelhos são simplesmente deploráveis. Não têm sequer estradas adequadas.

Seus bandos de sanguessugas. Mal podemos comprar comida, imagine asfaltar estradas? Não estou gostando do rumo que esta conversa vai nos levar.

Quase engasgo com a bebida quando ouço o som de concordância vindo das outras mulheres.

— E os vermelhos... Bom, acho que aquilo é o melhor que podem fazer com o que têm — ela prossegue. — São feitos para aquele tipo de vida.

— Não temos culpa de terem nascido para servir — uma Rhambos, a julgar pelo seu vestido marrom e joias vermelhas, diz de uma maneira irritantemente indiferente. — É simplesmente sua natureza.

Natureza o cacete! Minha mente grita, e um beliscão na perna me faz sobressaltar como num soluço. Não foi Evangeline, muito menos uma outra mulher presente. Por impulso, olho para a rainha Elara que me encara discretamente da ponta da mesa. Ela me forçou a me beliscar. Sinto minhas bochechas corarem.

Controle-se, princesinha ardente. Sua voz onipresente me assombra.

Perdão. Respondo de volta. É perturbador como a minha voz ainda pode sair falha mesmo estando dentro da minha própria cabeça.

Forço um sorriso convincente para as convidadas.

— Sim, de fato é... — Raven fala por mim, como um escudo de seda e poder. Não fico surpresa quando as outras concordam com ela.

Meu estômago dá voltas quando percebo o que estou fazendo para agradar essas mulheres. Estou colocando Raven em primeiro lugar sem me dar a verdadeira voz. Eu não sou Raven e jamais serei. Por isso, não consigo deixar passar em branco:

— É muito mais que óbvio que os vermelhos se tornariam servos. Não sabem o que é descanso, férias e refúgio desses problemas.

O silêncio paira sobre a mesa. Não me sinto acuada pelo peso dos olhares confusos e aterrorizantes das nobres ao meu redor. A confiança meio insana me obriga a dar um sorrisinho ousado depois de soltar essas palavras no ar. Uma porcentagem do fardo se esvai dos meus ombros. Mas ainda não acabou. Ainda existe muito mais. Para sorte dos ouvidos das convidadas, a rainha Elara intervém a tempo.

— Minha filha terá os melhores tutores e toda a ajuda necessária para adequar-se à nova vida — um sorriso forçado contorce o seu rosto. — Já começou as aulas com Lady Blonos.

Os melhores tutores para me adequar à nova vida. Não preciso quebrar a cabeça para saber que a rainha Elara quer mais do que tudo desse mundo tirar a essência vermelha de mim. Vai ser muito difícil. O meu sangue exala esse perfume de pobreza e trabalho duro. Se ela quiser me transformar numa verdadeira prateada, terá que arrancar esse líquido carmesim que corre pelas minhas veias. Tola... Eu jamais deixarei isso acontecer.

As vozes de aprovação pelo discurso fajuto de Elara ecoam pela sala. Mesmo depois de ouvirem as minhas palavras, ainda querem se escorar na rainha, sem questionar nada a respeito, muito menos protestar. Ainda são marionetes facilmente manipuláveis. Nojo.

O que sua majestade real pretende fazer com os rebeldes? — Alguém corta fundo esse falso véu de idolatria à rainha. Uma mulher sentada no canto da mesa, usando um uniforme militar e exibindo dezenas de medalhas no seu peito, pergunta com rispidez, causando um choque até em mim.

A cicatriz que contorna o seu rosto é um claro lembrete da guerra lá fora, nas fronteiras. Por esses dias, esqueci que existem milhares de soldados vermelhos morrendo nas trincheiras do Gargalo. O que um pouco de seda e poder faz... Não sei por que, não sei como, mas, silenciosamente, agradeço pela presença desta mulher. Ela é a representação perfeita de como quero que os prateados fiquem: feridos e velhos.

A rainha Elara não parece gostar das palavras dessa mulher. Mas não demonstra. Como uma boa atriz, coloca elegantemente a colher sobre o prato e sorri de uma maneira forçada.

— Coronel Macanthos, dificilmente podemos chamá-los de rebeldes...

Macanthos. Reconheço esse nome.

— E esse foi o único atentado que assumiram — Macanthos a interrompe. — E a explosão em Harbor Bay? E, já que estamos nisso, a base aérea de Delphie? Dois jatos destruídos, e outro roubado de uma das nossas próprias bases!

Engulo em seco como as outras mulheres. Atentados? Rebeldes? Meu coração erra uma batida quando lembro de quem estamos falando. A Guarda Escarlate! Respiro fundo, ainda descrente. Como pode ser possível eles fazerem algo desse nível? Pensei que fossem apenas mais um grupo revolucionário falho.

Mas enquanto todas nós ficamos chocadas com a notícia, a rainha permanece firme. Sabe o que vai falar, e quer usar isso contra a coronel.

— Você é engenheira, coronel? — Como um estalar de chicote, a voz da rainha Elara nos cala de imediato. Nem dá tempo para a Macanthos responder. As palavras da murmuradora já a perfuram. — Então não é capaz de entender que foi um vazamento de gás que causou a explosão em Harbor. E, por favor, refresque minha memória: você comanda as tropas aéreas? Ah, não. Sua especialidade são as forças terrestres. O incidente na base aérea foi uma manobra de treinamento supervisionada pelo próprio general Lord Laris. Ele garantiu pessoalmente à sua majestade que a base de Delphie é segura.

Me permito sentir uma pontadinha de pena da coronel Macanthos. Diferente das outras mulheres, ela apenas encara a rainha com os olhos repletos do mais puro ódio. Se pudesse, despedaçaria Elara neste instante com as próprias mãos.

— O objetivo deles é ferir inocentes, prateados e vermelhos, para incitar medo e histeria. São poucos, restritos e covardes. Escondem-se da justiça do meu marido. Considerar toda a desgraça ou infortúnio deste reino obra desse mal apenas colabora com seus esforços de aterrorizar o resto da população. Não dê a esses monstros a satisfação que desejam.

As palmas ressoam por toda a extensão da grande sala de jantar. O eco da satisfação pelas palavras falsas e ensaiadas da rainha torna esse teatro um grande martírio. Eu queria ser a única a contestar contra essas palavras. Mostrar para as pessoas que ainda existe alguém consciente neste lugar. Mas o meu papel me impede de continuar. Sou Raven Calore, também filha de Elara Merandus. Tenho que apoiar minha rainha, minha mãe em tudo. Tenho que seguir o seu "exemplo", custe o que custar.

A contragosto, bato palmas e sorrio para a rainha Elara. Ela sabe que venceu essa disputa. Sabe o quanto consegue dominar os seus oponentes apenas atuando. E ela se deleita com mais outra vitória, não sobre mim, a princesinha ardente e vermelha, mas sobre a coronel Macanthos, sua semelhante. Mesmo sangue, mesma força, mas com ideias e ideiais extremamente diferentes.

Pela primeira vez, pude ver de perto a fraqueza dos prateados.














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